segunda-feira, 9 de junho de 2008

Provas Finais de Arquitectura 006*

O Pátio e as Casas de Siza
Helena Henriques*




Esta prova final aborda a temática do pátio na habitação a partir do estudo de seis casas de Álvaro Siza. Procura-se perceber a importância do pátio para o assentamento e vínculo ao lugar.

Nas diversas culturas que atravessam a história da habitação o pátio surge como o elemento exterior que protege a casa, a organiza e estrutura permanecendo no recolhimento e intimidade familiar. Permitindo quase o total encerramento da habitação ao exterior, isolando no interior a expressão da identidade e diferenças sociais.
Gradualmente, com a valorização do espaço público e do alçado de rua, o pátio perde o anterior recolhimento. Funciona como um espaço de acolhimento da casa, mostrando-se à rua e assumindo-se como um espaço de representação.
Com o Movimento Moderno a casa desvincula-se da rua e são explorados novos conceitos de continuidade, de abertura e extensão horizontal à paisagem. Como resultado obtêm-se espaços transparentes, fluidos e abstractos, contrários à noção primária da casa como um espaço de protecção física e mental face ao mundo exterior.
Progressivamente os valores históricos são recuperados. São reintegradas as capacidades formais e expressivas da arquitectura tradicional. Com os CIAM de 1951 surge a consciência da essencialidade do Cuore, entendido como centro, como um elemento da vida espontânea ou organizada, individual ou colectiva.
O pátio é constantemente recuperado, reproduzindo coerências e métodos já muito antigos e sempre reinventados. Procura-se, no seu valor compositivo e estruturante, a criação de uma harmonia geral do espaço.

As seis casas em estudo não se situam todas na mesma região, encontram-se espraiadas ao longo de 30 anos de produção arquitectónica de Siza. Com diferentes linguagens, influências e métodos compositivos, estas casas respondem às circunstâncias locais e temporais em que aparecem. Mantendo sempre uma matriz comum, uma lógica de composição íntima do ambiente da casa: o pátio - mecanismo inicial para o assentamento. Expressando, talvez, a consciência de Siza e de todos da casa como um interior protegido.

Estas casas revelam-se, por vezes, como pontos de charneira ou de desenvolvimento da linguagem e método de Siza. Um percurso evolutivo marcado por influências directas do seu trabalho com Távora, da herança da tradição construtiva portuguesa ou do apreço pelo trabalho de alguns autores do Movimento Moderno.
Todas elas são diferentes na forma como se posicionam na parcela, ocupam o lugar desde o limite do lote, tendo sempre o muro como um elemento que unifica e estrutura o conjunto, que direcciona e desencadeia a apropriação. Muros que nos conduzem à descoberta de percursos de aproximação ao interior. Espaços de transição que garantem a separação do exterior da intimidade essencial à vida da casa. Momentos em sombra que controlam a luminosidade e o conforto dos ambientes interiores. Muros que encerram os pátios garantindo a neutralidade e o silêncio necessários à vida e à apropriação.

Inicialmente, na Maia, a casa configura-se através da acumulação e do posicionamento dos diferentes núcleos de actividade. Como resultado obtém-se um volume fragmentário desenvolvido em arco em volta de uma grande árvore, um ponto central de gravidade que determina o pátio.
Este tema do pátio ligado a um elemento natural é retomado mais tarde com o Pavilhão Carlos Ramos, onde o pátio pontua o seu encerramento com uma árvore secular. Procurando não se separar da natureza como que à busca de justificação para a calma e harmonia do seu espaço – como refere Alexandre Alves Costa.
A anterior fragmentação volumétrica da Casa Rocha Ribeiro dá lugar, com a casa Alves Costa e Manuel Magalhães, à composição feita a partir de volumes puros e muros totalmente cegos. Lembrando o minimalismo e a simplicidade de algumas obras de Mies Van der Rohe.
Estas casas próximas da rua abrem–se totalmente ao interior, mantendo o movimento de torção em volta do pátio, agora num único gesto. Mostrando-se total ou parcialmente encerradas ao exterior, não revelando a sua lógica interior autónoma. Uma abstracção do alçado principal feita em profundidade a partir da sobreposição de planos e da colocação lateral da entrada na casa. Uma dissimulação da casa que, tal como Breuer na casa Hooper, procura não transmitir ao exterior qualquer expressão da vida interior. Esta rejeição moralista da desordem envolvente é posteriormente abandonada.
O trabalho em projectos com uma dimensão mais colectiva e urbana leva Siza ao reconhecimento do papel social da arquitectura na cidade. O entendimento do pressuposto de Loos de que toda a parede tem duas faces, uma que protege o interior da casa e outra que a figura no exterior marcando o espaço público.
Estas novas relações com o exterior e o uso de uma linguagem mais figurativa sobre a rua, não anulam a vontade de introversão. O pátio acabado e perfeito protege a casa do exterior, garantindo uma harmonia absoluta que rege a composição. A clausura e busca da serenidade interior, nem sempre se podem justificar pela fuga ao ruído da rua ou a um tecido envolvente feio e desordenado. Em Moledo ou na primeira linha de construção da praia da Aguda, Siza, de igual modo rejeita a abertura da casa e da vida sobre o horizonte.
O pátio surge como a alternativa à vista sobre o mar, da sombra de altas árvores ou da geometria dos volumes pode-se descansar o olhar da intensa luz do Atlântico. Com a Casa António Carlos Siza e Maria Margarida a composição ganha a densidade de um complexo traçado geométrico. Um lento trabalhar das formas na procura de equilíbrios e relações morfológicas, onde o pátio surge como mais um compartimento sem tecto. Participando num jogo sensivelmente barroco de manipulação do espaço segundo eixos visuais e linhas de deslocação. O rigor do uso dos traçados geométricos não apaga um certo empirismo na agregação dos compartimentos das casas.
Siza recupera o uso da forma em U, evocando as casas de lavoura próprias da arquitectura tradicional do norte do país, onde os diferentes corpos se agrupam em torno de um pátio – uma verdadeira sala ao ar livre como a define a equipe de Távora no inquérito. Siza tira partido da polivalência do pátio utilizando-o a diferentes escalas. Surgindo como resposta e mote para diferentes programas. A retoma de uma tipologia tradicional dá-se como pretexto para a criação de um lugar.

Tal como na Malagueira elege o tipo de casa com pátio como unidade mínima do plano. Evocando os modelos elementares de construção mediterrânicos. O pátio permite, tal como a Sert em Chimbote, a continuidade horizontal do tecido urbano, facultando a cada casa o acesso, a luz e a identidade. Se na Malagueira os pátios surgem como elementos que permitem a individualização e uma maior flexibilidade e capacidade de reinvenção da casa, também nos modelos de habitação unifamiliar em estudo os pátios transmitem à casa uma maior liberdade na apropriação. Um uso do espaço mais despreocupado, resguardado dos olhares, garantindo aos interiores vistas agradáveis e serenas, nunca excessivamente intensas.

Se em muitas das experiências do Movimento Moderno o pátio fundia a ligação vertical e horizontal com o exterior, nestas casas Siza jamais o permite. Estes pátios não sendo totalmente interiores aos volumes nunca se relacionam horizontalmente com a paisagem. Transmitem noções de propriedade e recolhimento. Deles sobressai a neutralidade e espontaneidade dos seus espaços -A disponibilidade para a vida e a capacidade de emoção. O pátio permite o equilíbrio entre a forma e a vida fornecendo uma lógica coerente ao espaço e abrigando a actividade dos homens.
São espaços densos e protegidos que permitem a conquista do estado de graça.

«Alguém nos conduz pelos espaços.
Deslizamos.
Não apetece falar, e tudo é único, mas nunca absorvente.
….
Nenhuma inovação abandona a antiquíssima razão.
Não há inovação.
Há o reencontrar da inocência, uma conquista do Estado de Graça, para que se
Não perca a Memória.»

Álvaro Siza, sobre a visita à casa Barragán
*Texto sobre a prova final da licenciatura em arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da UP e apresentado no IJUP 2008 [Fevereiro 2008]
Helena Henriques [helena@pontopr.com]
#####English version
The Courtyard and Siza’s houses

The aim of this study was to attend the issue of the courtyard housing. The houses of Álvaro Siza serve examples that allow a particular approach to the issue. From the analysis of these works it should be possible to recognize the importance that the author gives to the courtyard, as a mean for the settlement and link to the place, observing the formal and expressive mechanisms going through the project of interiorized houses.
In the various cultures that cross the history of housing, the courtyard emerges as the element that protects the house, remaining in the family intimacy. Allowing the almost complete closure of the house to the outside, isolating in the interior the expression of identity and social differences. Gradually with the enhancement of the public space, the yard loses the previous intimacy, performing as an area showed to the streets, as a space of representation.
With the Modern Movement the house is disconnected to the street. New concepts are explored like continuity and openness and horizontal extension and the panoramic view of the landscape. As a result the spaces became more transparent, fluid and abstract, contrary to the concept of the house as a primary area of mental and physical protection against the outside world.
The historical values are recovered; they are reintegrated formal and expressive capabilities of traditional architecture. The courtyard is constantly recovered, playing coherencies and methods already used and always reinvented. Searching on its composition and structuring value to produce a general harmony of the space.
The six houses in this study are not in the same region, although a great part is placed in the north of Portugal. They appear along 30 years of the architectural production of Álvaro Siza.
Sometimes they reveal themselves as points of change or development in his language and method - an evolution carried through the Portuguese constructive tradition, the influences of some authors of the Modern Movement and the characteristics and cultural identity of each place. The variance of elements and materials is produced facing a closed composition, a sense of intimate environment of the house. The courtyard remains as an archetype that shapes the space. Expressing perhaps the conscience of Siza and us all, of the house as a protected interior.
All different in the way they are positioned; these houses occupy the place, forming up from the limit of the lot, and having always the wall as an element that unifies and structures the whole. Giving directions and triggering the appropriation.
Walls that lead us to the discovery of the interior. Transitional spaces that guarantee the separation from the outside, the essential intimacy of life.
Moments in shadow that controls the brightness and comfort of indoor environments.
Walls witch closes the courtyards ensuring the neutrality and silence, necessaries for life and appropriation.
Initially, in Maia, the house is formed through the accumulation and the positioning of the different areas of activity, resulting in a fragmented volume.
That is developed in arc around a large tree, a focal point of gravity which determines the courtyard. This theme of the courtyard connected to a natural element is resumed later with the Carlos Ramos Pavilion, where the yard punctuates its closure with a secular tree. Embracing nature like searching for a justification for the calm and harmony of its space. - as Alexandre Alves Costa said.
The previous volume fragmentation gives rise later to a composition made with pure volumes and completely blind walls, remembering the minimalism and simplicity of some works of Mies van der Rohe.
These houses near the street are totally opened to the inside, keeping the momentum of twisting around the Courtyard, now in a single gesture.
Seeming to be totally or partially closed to the outside, they not reveal its inner autonomous logic. The abstraction of the main facade is done in depth, from the overlapping plans and the lateral placing of the entry. Like Marcel Breuer in the Hooper house, Siza hides from the outside all the expressions of life, concealing the houses.
This moralistic rejection of the disorder surrounding is later discarded. The work on projects with a more collective and urban dimension leads Siza to the recognition of the social role of architecture in the city and the understanding of Adolf Loos assumption that the wall has two faces, one that protects the inside of the house and another that figures abroad marking the public space.
These new relationships with the outside world and the use of a more figurative language to the street, does not contradict the will of introversion. The courtyard remains finished and perfect, protecting the house from the outside, ensuring one absolute harmony that rules the composition.
The closure and the search of an inner serenity, not always can be justified by fleeing the noise of the street or by a disorderly surrounding urban tissue. In Moledo or in Aguda, Siza, also rejects the opening of the house and life to the horizon. The courtyard emerges as the alternative to the views of the sea, under the shade of the trees or the geometry of the volumes you can rest the eyes of the intense light of the Atlantic.
With the projects of Antonio Carlos Siza and Maria Margarida houses the composition gets the density of a complex geometric layout. Working the forms and searching for morphological relations and balances.
A manipulation of the space made with visual lines and axes of movement.
The accuracy of the use of geometry does not erase the empiric aggregation of the compartments of the houses.
Siza recovers the use of the form in U, evoking the traditional farmer houses of the north of the Portugal, where different volumes are grouped around a courtyard - an truly outdoor room as it was defined by the team of Távora.
Siza takes benefit from the flexibility of the courtyard using it in different scales, as an answer and a motto to different programs. The continuation of a traditional type is made as a pretext for creating a place.
As in Malagueira he elects the courtyard house as minimum unit of the plan, evoking the basic models of Mediterranean construction. Like Sert in Chimbote, the courtyard allows the horizontal continuity of the urban tissue. The patio provides the access, the light and the identity to each house.
If in Malagueira’s barrio the courtyards appear as elements for the individualization and greater flexibility and reinvention of the house, also in the other houses in study the courtyard hold up a greater freedom in the appropriation. Allowing a use of the space more relaxed hidden from the exterior look, ensuring to the interior pleasant and calm views, never too intense. If in many of the experiences of the Modern Movement the courtyard merged the vertical and horizontal connection with the outside world, in these examples Siza never allows it. These courtyards not entirely interior to the volumes are ever related horizontally to the landscape. They transmit notions of property and intimacy. The neutrality and spontaneity of their spaces shows the availability to life and the capacity of emotion. The courtyard permits the balance between form and life by providing a coherent logic to the space and harbouring the activity of the men. They are dense and protected areas which allow the achievement of the state of grace.
This state of grace is an expression used by Siza in a text that describes his experience of the visit to Barragan’s house in México City, where he talks about the essentiality and naturalness of the spaces. Theses are characteristics that we can also apply to his work.
Bibliografía essencial
MONESTIROLI, Antonio, La arquitectura de la realidad, Las formas de la residencia, 1ª edição, Ediciones del Serbal, Barcelona, 1993.
MONTANER, Josep Maria, Arquitectura y Crítica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2002.
SIZA, Álvaro, Des Mots de Rien du Tout, Palavras Sem Importância, textes réunis par Dominique Machabert, Publications de l’Université de Saint-Étienne, Collection École d’Architecture de Saint-Étienne, 2002.
TÁVORA, Fernando, PIMENTEL, Rui, MENÉRES, António, Arquitectura Popular em Portugal, Zona 1, 2ª edição, Associação dos Arquitectos Portugueses, Lisboa, 1980.

sábado, 31 de maio de 2008

Provas Finais de Arquitectura 005*

#Análise Geométrica da Igreja dos Clérigos
Pedro Varela*

I. Introdução
A história da arquitectura moderna surge como uma disciplina que abre um canal de visão para todo um leque de descobertas, uma aventura no mundo da composição de elementos que juntos levam à criação de edifícios, sempre mais avançados e complexos, estruturas que se apoiam num passado de aprendizagem e que preparam o terreno para a próxima descoberta.
Resume-se a uma vontade de ser melhor, de suplantar qualidades, uma representação do percurso do Homem ao longo do seu crescimento na vida da sua história.
Niemeyer mostra ao mundo a sua formologia de eleição através da arquitectura, aquela que ele acha que funciona como espelho da sua realidade. Na sua época, a liberdade formal é quase total, e cabe a cada um compreender e escolher a forma que aplica. Este arquitecto brasileiro utiliza a curva e eu sinto-me em consonância com esta escolha.
É assim através da curva que me proponho olhar para a história da arquitectura moderna, apontando uma curva específica num objecto específico. A Igreja dos Clérigos no Porto é um instante importante na arquitectura portuguesa na medida em que representa a importação de todo um saber novo que vem lá de fora, da Itália. O Porto ganha assim a sua torre, brilhantemente composta, que conquistou o carinho das gentes desta cidade, tornando-a num dos seus símbolos. Mas a Torre dos Clérigos - como veio a ser chamada - é só uma parte de um complexo edifício que se compõe também de um hospital “privado” e uma igreja, que aliás fora a primeira parte deste conjunto funcional. E se a torre é bastante apreciada pela sua altura e harmonia proporcional, a igreja não peca por falta de originalidade no panorama arquitectónico contemporâneo pelas várias introduções formais e estilísticas de que padece. A fachada como um pano decorado impõe-se no seu escadório sobre a calçada que leva lá abaixo à Praça, o perímetro exterior do edifício adapta-se delicadamente à vizinha - e agora extinta - muralha. Os motivos decorativos são fantasiosos, livres, apresentam uma panóplia de temas florais e curvilíneos em que imperam as volutas, tantas vezes assimétricas. Mas todas estas inovações são claramente suplantadas pela forma da igreja, a nave da assembleia que se configura como um espaço longitudinal e central ao mesmo tempo. É a oval do barroco que chega a Portugal pelas mãos do artista italiano Nicolao Nasoni e levanta assim, no Porto, numa estrutura única no país que contribui para a originalidade de todo o conjunto.
Este trabalho tem como mote o estudo deste espaço criado por Nasoni. A igreja barroca como consequência de uma série de invenções ao longo da história, apresenta fortes condicionantes geométricas e o resultado final é um interessante e complexo espaço que deve ser analisado sob a luz das ciências que o configuram. Norberg-Schulz avisa-nos que a análise formal deve ser mais exacta e completa que as teorias de proporção e do espaço permitem, sublinhando a importância da forma dos espaços e das massas, assim como da sua superfície limitadora1. A curva é de facto a superfície limitadora que tem um papel preponderante na definição deste tipo de igrejas, sendo o braço direito da própria arquitectura. Esta curva é a oval, filha bastarda da elipse.
Mas os anos e a experiência deram à oval um lugar próprio no catálogo de formas, desprendendo-se da elipse mãe, matemática. Por ser fundamental para a análise formal da Igreja dos Clérigos, o estudo da elipse e da oval aparece como anterior à análise em si, revelando os instrumentos e condicionantes que possibilitaram a criação deste espaço particular. Creio no entanto poder dizer-se que elipse, na sua verdadeira acepção da palavra, só se torna acessível em grande escala a artistas e arquitectos já na segunda metade do século XVIII, altura em que instrumentos como o “pantógrafo ou compasso para desenhar curvas parabólicas, hiperbólicas e elípticas contínuas”2 começam a ser produzidos. Para falarmos em elipse na história da arquitectura até ao século XVIII teremos de pactuar com a confusão linguística que em tempos se fez sentir, e ainda hoje permanece entre os menos esclarecidos, e atentar à presença elíptica em toda a circunferência oblonga, ou que lhe seja semelhante. Remontamos assim aos períodos mais longínquos em que encontramos este tipo de formas, tecendo o percurso destas até chegarem à pena que Nasoni utilizou para desenhar o seu primeiro e mais famoso edifício.

II.Nota conclusiva

O problema da análise da Igreja dos Clérigos prende-se obviamente com mais do que a sua nave. Pelo estudo aqui exposto é aceite, também, que tanto o rectângulo ao baixo como o rectângulo ao alto - como Xavier Coutinho o põe, respectivamente a ante-câmara de entrada e o altar-mor - são partes da igreja que não podem ser descritas como pertencentes à ideia original da Igreja. No entanto, é também da nave oval que este trabalho se ocupa, e nesta se centraram esforços.
O objecto de estudo aqui referido não é muito canónico; mas também não o era o seu autor. Nasoni viveu sempre na perseguição de novos objectivos, encontrando finalmente sedentarismo no Norte de Portugal. Na época de concepção deste edifício, imaginamos um Nasoni jovem, completamente assaltado de ideias, temas, formas, imagens de coisas belas que vira nos sítios onde passara. Na sua ânsia de criar, lança-se num trabalho hercúleo de conseguir dar ao Porto uma igreja inovadora. Sabemos que a sua formação não primou pela construção de edifícios. O mais próximo que esteve desta realidade foi o curso de representação perspéctica de arquitectura que tirou em Bolonha. A oval que desenha não está nos manuais, atitude própria de quem tem prioridades diferentes. Talvez tenha sido uma necessidade que causou a recorrência a modelo tão particular. Moneo diz: “Todos los proyectos tienen en común un cierto gusto por lo compacto. Esta noción de arquitectura compacta no es nueva. Construir manteniendo las restricciones de um perímetro màs grande en la superficie más pequeña es siempre deseable. (...) Asé ha ocurrido siempre, tanto en el presente como en el passado.”3 Quererá isto dizer que a atitude de Nasoni aquando do projecto do complexo dos Clérigos prendeu-se em primeiro lugar como um preenchimento máximo da área disponível, pondo para trás regras já firmadas de composição? Nasoni soube claramente responder ao problema, criando um edifício produto das suas imagens de arquitectura, que certamente não peca pela monotonia ou repetição inconsciente de elementos necessário à edificação. A composição visual é de facto tema recorrente no trabalho de Nasoni, sendo conseguida em pleno usando como suporte a oval que só teria como sucessora, na arquitectura religiosa, a igreja do convento cisterciense em Maceira-Dão.
D. Hume diz: “A beleza não é uma qualidade própria das coisas: Ela existe meramente na mente daquele que as contempla; e cada mente percepciona uma beleza diferente.”4 A Igreja dos Clérigos deve claramente ser apreciada no seu contexto, a rude e granítica cidade do Porto que recebeu de braços abertos uma nova arte vinda da longínqua Itália. Parece claro que esta primeira obra de Nasoni não se equipara às grandes empresas do Barroco mais erudito, funcionando mais como um objecto estranho que pela sua peculiaridade e pela anexa torre ganhou o seu lugar na cidade.

1 Norberg Shulz, Intentions in Architecture, pag. 99
2 Hersey, George L., Architecture and Geometry in the Age of the Baroque, pag. 136. Estes instrumentos estão representados no Cours d’architecture de François Blondel, obra publicada em 1771

3 Rafael Moneo, Paradigmas fin de siglo, Los noventa, entre la fragmentación y la compacidad, in Revista Arquitectura Viva nº66 pag.23
4 D. Hume citado por Schulz, Norberg, Intentions in Architecture, pag. 92


*Prova final para o grau de licenciatura da faculdade de arquitectura da universidade do porto no ano de 2005
Pedro Varela [rucativava@gmail.com]

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Provas Finais de Arquitectura 004*

#A Arquitectura do Sonho Alheio
Francisco Varela do Vale

#
A emoção força a imaginação, arrebata o espírito e leva-o a criação do desejo e do significado das coisas. Coisas que ora são supérfluas ou necessárias, por força do poder reivindicativo do corpo e do tempo. "A imaginação tem todos os poderes: ela faz a beleza, a justiça, e a felicidade, que são os maiores poderes do mundo." [1]. Seja na condição de Deus, da vontade própria, do poder dos sentimentos e emoções. "Vivemos [nas palavras de Paul Valéry] pelo poder das coisas que não existem." E estando a vida repleta de imaterialidade que funda as coisas no fundamento do fundamento, isto é que sustenta as coisas no profundamente infundamentável, na moral – que nas palavras de Friedrich Nietzsche “é o instinto do rebanho no indivíduo” –, apenas podemos esperar da vida e das coisas um constante inacabado. Pois elas sempre poderão ser visadas por novas interpretações que as adulterem, enriqueçam, modifiquem e até mesmo aniquilem.

A arquitectura é um “inacabamento” que visa o sonho, o sonho alheio que o ofício do arquitecto terá que infligir a ele próprio, isto é, a necessidade de confluir a vontade dele e do cliente, a única possibilidade da vontade como acção. Acção que se fragmenta quanto mais se predispõe a entender-se – e daí o índice deste trabalho estar dividido nas várias etapas da vontade. Tudo na vida se caracteriza por esse estado inacabado, mais sentimental do que material, de uma finitude cíclica. “Uma das atitudes fundamentais do homem humano deve ser a de reconhecer em si, numa falta de compreensão ou numa falta de acção, a origem das deficiências que nota no ambiente que vive…” [2].

A natureza apenas é natureza para nós, a realidade apenas o é para cada um de nós; o sentimento o é porque já o é em nós. Assim a felicidade é uma inexistência, “um subproduto a luz de uma boa vida”, que se faz palpável em nós, na imaterialidade do sentimento. Não é nem nunca foi um estado contínuo, por isso é faseada por momentos no qual o objecto surge como muleta de uma fragilidade intrínseca. Um layer base onde são depositados desejos, numa sucessiva sobreposição translúcida de outros layers; diluindo-se uns nos outros.

A casa é uma plataforma, um layer inerte, cuja ordem é um pretexto para sermos alguém ou algo; sentirmos isto ou aquilo que já sabemos que queremos sentir, na verdadeira ascensão da felicidade, já existente em nós. Tal como o rolo fotográfico está desde logo disponível a deixar a luz penetrar e sensibilizar o indispensável, para que neste fique registrado a imagem, que só o será realmente na abstracção das nossas capacidades mentais. Mais que uma ordem é a ideia da ordem que para lá projectamos, e aprendemos a necessitar desde os primórdios.

Recuando a esses mesmos primórdios, constatamos que o homem teve em si essa intrínseca necessidade e desejo de ordenar, controlar e dar significado ao meio que o envolvia, de modo a diminuir o enorme fosso que o separava, e separa, a sua parca existência e debilidade física a grandeza intemporal e imperceptível da natureza. Como sabemos as cavernas terão sido os primeiros habitats dos nossos antepassados, nos quais se procedeu, a partida, a primeira organização do espaço. Esta mais relacionada, a priori, com uma estratificação de causa efeito, acto consequência, mais “animalesca” do que propriamente de organização social, tendeu para uma sucessiva subida de complexidade a medida que o próprio animal se desenvolvia em direcção a humanidade e ocasionalmente descobria a controlar elementos da natureza que sempre existiram. Negando a passividade.
A ordem terá passado de necessidade a desejo, e da simples sobrevivência física houve uma passagem para a vivência e a necessidade de transformação, contemplação e de exorcizar medos. Produziram-se manualmente objectos, habitats; surgiram os primeiros indícios de decoração dos mesmos, numa progressiva aproximação e tentativa de transpor algo real para um determinado suporte inerte. Gastando tempo e esforço, pintaram-se cavernas e elevaram-se megalítos pela única razão de ser digno de razão, num circunstancial tempo passado e que nos afigura hoje como mágica ritualização do oculto.

De uma dada observação e percepção da natureza e da sua existência o Homem entendeu que poderia exercer influência sobre o mundo que o rodeia, e que a arte e uma dada ordem lhe possibilitava uma relação mais estreita com a natureza. Aproximando-se progressivamente da total esquematização simbólica da sua existência, entendeu-se, pensou-se, resumiu-se, desejou-se e negou-se ciclicamente. O resultado estético dessa constante reformulação não é mais que uma consequência secundária do objectivo principal – encontrar-se a ele próprio. “É este horizonte desde sempre posto” que interessa; esse sonho individual de nos encontrarmos, e que a determinado momento da humanidade – moderna –, sem o saber conscientemente muitas vezes, o arquitecto assume quase como timoneiro.

A arquitectura é essa tarefa infinita de encontrar o lugar para o ideal, na impureza do mundo real, “matérico”, factual, múltiplo e incontornável. Por isso a pretensão de objectivismo na arquitectura, é uma ingenuidade, porque ela credibiliza-se pela subjectividade criadora da imaginação, que não pode estar contida na totalidade em nenhum objectivismo técnico.

Baseando-se na pulsão, na pressão, na transformação, na recriação, no paradoxo da emoção… do corpo com a terra, só podemos justificar a acção prática sobre o mundo pretensiosamente. Uma estrutura base individual e comum que remete para uma visão da vida, consciente ou não, partilhada ou não. O conhecimento dessa estrutura, não pode ser alcançado ou exposto de modo completamente válido pelo objectivismo do fundamento. De outro lado, nenhuma arquitectura pode ser autêntica sem um tal conhecimento. As questões estéticas escapam à razão, por isso a ingenuidade passa a ser o único limite da arquitectura. Desconsiderando o seus limites e/ou fundamentos a arquitectura tornar-se-á ingénua, no momento que pretender não a musealização do habitar, mas sim a sua purificação. Para tal “os caminhos não são claros” [3], nunca o são; a casa para toda uma vida, será assim sempre uma obra inacabada, que a bem dizer só se deveria começar a construir-se depois de feita, ultrapassando-se constantemente.

Hoje, creio que a distância entre uma boa ou má obra de arquitectura é tão pequena como aquela que separa o feio do belo, o justificável do injustificável. É tão ténue que facilmente ambas podem faltar à essência da arquitectura: a vida. Esta sopra para lá do que pensamos querer.
*[texto sobre a Prova Final do curso da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto]
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#referências [3 livros essenciais]
[1] Pascal, Blaise.
[2] Da Silva, Agostinho.
[3] Siza, Álvaro Vieira; “Profissão Poética”. Editora Gustavo Gili 1988, pág.9.

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domingo, 20 de abril de 2008

Provas Finais de Arquitectura 003*

Estrada Mercado e Edifício Montra no concelho de Paços de Ferreira

Vasco Cortez*

intro. Este trabalho surge na sequência da investigação efectuada no âmbito do seminário de urbanismo do 6º ano da FAUP, orientado pelo Prof. Cat. Manuel Fernandes de Sá, sobre a problemática da cidade contemporânea e da cidade difusa. O trabalho procura compreender as novas formas de cidade existentes, analisando para isso um fenómeno particular: a estrada mercado com os seus tipos arquitectónicos específicos – os edifícios montra. Partindo da investigação efectuada no seminário, procurou-se por um lado contextualizar e por outro aprofundar e sistematizar o estudo realizado e, em consequência, produzir uma reflexão sobre a condição da arquitectura e dos tipos arquitectónicos na nova realidade territorial.

1. As sociedades contemporâneas introduziram novas práticas de ocupação do espaço que conduziram a uma maior complexidade e especialização nas formas e no funcionamento da cidade. A cidade difusa é uma expressão disto. Surge com a explosão das cidades e a invasão das zonas tradicionalmente rurais pela vida urbana. Criam-se novas condições e novos tipos urbanos, com diferentes modos de funcionamento. O campo de estudo deste trabalho é a cidade difusa enquanto área da investigação urbanística.
A complexidade resultante das novas formas urbanas da era pós-industrial (por contraponto à unidade, clareza e continuidade da cidade antiga e moderna) incita por vezes certos discursos, que acusam tais tipos de cidade de representarem o caos, a falta de ordem ou mesmo a má forma urbana. Este discurso é proveniente da incompreensão dessa mesma complexidade. O que acontece na verdade é o assomar de uma outra espessura urbana e de diferentes modos de organização, ainda pouco compreendidos. Quando se estima que mais de metade da população do planeta viva em cidades, os territórios periféricos de dispersão urbana tornam-se cada vez mais representativos e importantes, reclamando uma maior atenção. Paralelamente a isto, assistimos na sociedade em geral a uma crescente consciencialização para os problemas do planeamento urbano e do ordenamento do território (uma vontade de controlar, prevenir, planear e projectar o ambiente urbano), associada a um despertar para a valorização e reabilitação do património edificado. Esta atenção para com o, já amplamente reconhecido, património – as cidades antigas e os centros históricos – provoca normalmente o desprezo pela outra cidade – a «cidade emergente». A consequência é visível: má qualidade do ambiente urbano nos espaços onde vive a maioria da população. Compreender a cidade contemporânea, quer pela complexidade que esta demonstra, quer pela possibilidade de intervenção (mesmo que seja só no campo do projecto arquitectónico), torna-se portanto essencial para quem estuda arquitectura.

2. O objecto deste estudo é a estrada mercado, enquanto fenómeno urbano emblemático da cidade difusa, e os seus tipos arquitectónicos (particularmente os edifícios montra), como sua parte constituinte e enquanto fenómenos arquitectónicos e urbanísticos em si. O caso particular, aqui seleccionado, é a Estrada Nacional 207 (EN207) no concelho de Paços de Ferreira, devido à anormal concentração destes edifícios.
A via em geral, mas particularmente a estrada, é a grande estrutura da cidade difusa. Estudar a via é estudar a própria cidade difusa. É a ela que tudo se agarra e é com ela que tudo se relaciona. É ela que explica o polvilhar aparentemente caótico e disperso da edificação no território. E a estrada mercado em particular é a expressão da sua força estruturadora, ao transformar a simples via, em verdadeiro espaço público. O mercado é, na história das cidades, um elemento fundamental na constituição dos espaços urbanos e dos centros cívicos. A troca, a compra e a venda foram razões da própria formação das cidades, e simbolizam encontro, despoletar de animação e vida urbana, mas simultaneamente potencial de transformação e renovação. A estrada mercado ganha assim uma importância urbana fulcral para este tipo de território e é um tema importante a analisar. A EN207, fenómeno peculiar no género, desencadeia facilmente uma série de questões: porquê tantos tipos diferentes de edifício, servindo todos para a mesma e simples função: venda de móveis? Como surgiu um fenómeno destes e porquê aqui? O que justifica este tipo de expressão urbana? Como e quem o terá começado?
Estudar este fenómeno implica, antes de mais, uma compreensão do seu enquadramento territorial, social e económico. Para isso, o estudo do fenómeno urbano é introduzido por uma reflexão alargada a propósito desse enquadramento territorial, mas também por uma observação histórica e socioeconómica (do Vale do Sousa e Paços de Ferreira). Como complemento à análise, alargou-se a investigação às outras duas estradas nacionais do concelho (EN209 e a EN319) e respectivas envolventes próximas, pela semelhança de fenómenos e pela proximidade geográfica. Considerou-se como território de estudo a envolvente à EN207 no concelho de Paços de Ferreira.

3. A metodologia utilizada foi o estudo tipológico. Ou seja: a comparação intensiva entre edifícios e a sua posterior classificação em famílias, segundo critérios predeterminados. Este é um processo de sistematização da informação, recolhida de forma empírica, que permite formular conclusões mais objectivas.
Estudar a cidade difusa através da tipologia do seu edificado representa compreender a lógica que rege a sua formação espontânea, encontrar padrões e regras na aparente desordem. Organizar a realidade em tipos permite assim entender padrões, características comuns, organizar a informação. Representa para além disto uma forma de ler a cidade de um ponto de vista particular: a tipologia.

*[texto sobre a Prova Final do curso da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto]

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#Os meus 3 livros

#ASCHER, François, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998
(1ª Ed 1995)

#CABRAL, João, DOMINGUES, Álvaro, PORTAS, Nuno, Políticas Urbanas – Tendências,
estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003

#VENTURI, Robert; IZENOUR, Steven; BROWN Denise Scott, Aprendiendo de Las
Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A.,
Barcelona, 2004 (1ªEd 1977)

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segunda-feira, 10 de março de 2008

Provas Finais de Arquitectura 002*

FRAGMENTO: Representação da memória na arquitectura
Carlos Castro
“Frammento significa (...) un opera o un componimento di cui si sia perduta gran parte...” [1]
O fragmento, como tema e instrumento de projecto, é resposta decisiva à utopia da cidade contemporânea. O fragmento, neste âmbito, ultrapassa a sua definição e assume forma de processo. Um processo que caracteriza a evolução constante da cidade e que torna-se chave de descodificação da persistência da arquitectura como elemento essencial para actuar na cidade. O papel da arquitectura é semelhante ao acto de compor por fragmentos, de formar unidade a partir de peças simples e primárias. A cidade é composta por fragmentos que contribuem para a repetição de peças simples, que na sua individualidade não pretendem ser protagonistas centrais da construção da cidade, mas sim assegurar a continuidade das formas no tempo através das tipologias.

“O mundo inteiro e a memória inteira do mundo continuamente desenham a cidade.” [2]

O Tempo é determinante na compreensão dos processos compositivos e evolutivos do urbano e da arquitectura. Assim a história, enquanto interpretação do passado, permite a análise e permite ser encarado como elemento operativo de projecto.
O passado é fundamental para sistematizar as constantes, as transformações formais e tipológicas e consequentemente as permanências e persistências formais.

A acção do Tempo está presente na ruína dos edifícios adquirindo conotações de moralidade perante a Arquitectura. A ruína é a imagem do “fim” da Arquitectura, ou seja, do que foi objecto da acção Humana. Assim perceber que a “... lógica de “princípio” inclui a intuição do “fim”;....” [3] permite ver no passado o fundamento para o futuro. A estrutura teórica que suporta o projecto só pode ser operativa e realista quando ela for construída encarando o fim da obra arquitectural como algo natural. O conhecimento do “fim” pode ser deste modo instrumento poderoso da percepção da arquitectura na Natureza.

O fragmento como representação da degradação e da acção do Tempo é elemento que ultrapassa a cidade e torna-se instrumento de projecto. No sentido de melhor definir o seu fim inventa-se ruínas, ou constrói-se com estas. Tanto Souto Moura como Siza percebem a inevitabilidade do Tempo como actor externo no projecto da Arquitectura e assim a sua arquitectura tenta compreender e aceitar o Tempo como elemento constante. O fragmento como representação é de certa forma a tentativa de dominar o Tempo como matéria de projecto que se reflecte no lugar imaginado pelo arquitecto e também no tempo imaginado.

“No fundo de que se trata? Trata-se da introdução do tempo, da consciência do tempo.” [4]
opo
*[texto incluído na Prova Final do curso da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto]
opo
Referências
[1] “Fragmento é obra da qual se perdeu grande parte” (tradução livre) Aldo Rossi, Frammenti, in Aldo Rossi Architecture 1957-1987, p. 7
[2] Álvaro Siza, Quinta da Malagueira, in As Cidades de Álvaro Siza
[3] Jorge Figueira, Para Lá do “Contemporâneo” Regressando a Rossi, in J.A. nº 217, p. 51
[4] Fernando Távora, Fernando Távora - Coisa Mental (entrevista Jorge Figueira), in Unidade 3, p. 103
legenda
[esq] Ruínas romanas na cidade romana de Volubillis em Marrocos, [cen] Esquiço do Fórum de Roma, (arq. E. S. Moura) [dir] Recuperação do Mercado do Carandá em Braga (arq. E. S. Moura)
opo
bibliografía [3 livros essenciais]
ARÍS, Carlos Martí, La cimbra y el arco, Barcelona, Fundación Caja de Arquitectos, 2005.
ROSSI, Aldo, Introducción; Ciudad y proyecto, in Proyecto y ciudad historica - I Seminário Internacional de Arquitectura en Compostela, Santiago de Compostela, Colegio Oficial de Arquitectos de Galicia, 1976.
CARENA, Carlo, Ruína/Restauro, in Enciclopédia Einaudi, director Ruggiero Romano, Lisboa, I.N.C.M., 1984.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Provas Finais de Arquitectura 001*

Centralidades Periféricas: o caso da Arrábida
Pedro Oliveira

O texto que aqui escrevo pretende sintetizar algumas ideias que surgiram ao longo da elaboração da Prova final em Arquitectura da FAUP, na qual estudei a zona do Arrábida Shopping em Vila Nova de Gaia. O registo não é feito sob a forma do abstract ou síntese, mas num formato mais livre e menos académico, que procura lançar uma perspectiva sobre a cidade contemporânea.
01# Comecemos pelo título: “Centralidades periféricas”. Este conceito indica a possibilidade de existirem outros pólos de atracção além dos centros tradicionais, localizados perifericamente em relação a estes; privilegiam a boa acessibilidade (relação com a rede arterial) e a exposição visual. Utilizam a sinergia entre actividades sob a máxima de Koolhas que diz que tudo é compatível. A ‘condição central’ de um lugar depende do carácter direccional das suas funções: “o carácter especializado e qualificado, a raridade ou a natureza estratégica das funções exercidas” contribuem para a capacidade de polarização. A uma escala metropolitana estes centros periféricos devem ser complementares entre si, gerando uma rede de relações possibilitada pelas infraestruturas (materiais e imateriais). Estamos então perante uma nova ordem urbana, mais complexa e que forma uma estrutura policêntrica urbano-regional.

02# Marc Augé define a cultura sobremoderna como uma cultura de excesso, resultante da superabundância de acontecimentos, superabundância espacial e da individualização das referências. Introduz assim o conceito de não-lugares, por oposição aos lugares, identitários, relacionais e históricos. O alerta lançado sobre a dificuldade de qualificar estes lugares, ou não-lugares, é real e pertinente. A hibridação de modelos e a forma como surgem rápida e constantemente para dar resposta a uma sociedade em permanente mutação dificultam essa tarefa. Mas, os ‘não-lugares’, além de ser uma designação impositiva é pouco precisa, tendo-se generalizado a sua utilização de forma massificada. Torna-se necessário para o planeador compreender o significado das alternativas em termos de planeamento, como nos diz Barnett. Ele distingue quatro conceitos de cidade – cidade monumental, cidade jardim, cidade modernista e cidade como megaestrutura (BARNETT, Jonathan. (1995). The fractured metropolis: improving the new city, restoring the old city, reshaping the region. Icon Ed. Nova Iorque. pp. 192). A compreensão total e profunda das diferentes visões, tal como a sua aceitação, são características fundamentais para a construção de um espaço urbano onde todas coexistem(am). É necessário olharmos para as diferentes manifestações como complementares e evitando procurar uma verdade unívoca universal [a propósito desta questão observem como os agentes que antes criticavam as grandes superfícies comerciais pretendem agora “shoppinizar” o centro do Porto, com sugestões caricaturais de intervenções num espaço que vale precisamente por ser completamente diferente relativamente à sua matéria, materiais, relações, ambições e âmbitos.].

03# Na passagem da cidade para o urbano as infraestruturas da rede arterial desempenharam um papel fundamental. Trazem consigo a possibilidade de ligar pontos geograficamente distantes em pouco tempo, mas arrasta questões complexas relativamente ao modo como se sobrepõem ou justapõem velocidades, escalas, âmbitos distintos. Os grandes artefactos típicos das centralidades periféricas têm implicações no nível metropolitano ou regional e também a nível local. Não se defende a assunção da infraestrutura arterial a ‘via urbana’, mas as aglomerações que ocupam os nós viários desempenham um papel fundamental na transição entre escalas, tendo até o estatuto de ‘porta’ para diferentes zonas, hierarquizando a nível local (articulação transversal da via com a sua envolvente, cosendo diferentes situações espaciais e desenvolvimentos de diferentes níveis escalares) e construindo uma imagem global mais coerente a nível metropolitano (hierarquização de nós viários ou áreas referenciais na estrutura linear da infraestrutura). A intermodalidade de transporte é um bom exemplo de resposta à multiescalaridade contemporânea, combinando num mesmo local as duas lógicas de mobilidade (privada e pública) e os diferentes modos de mobilidade (automóvel, metropolitano, pedonal), sendo um reforço importante da ‘condição central’.
*[texto sobre a Prova Final do curso da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto]

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#Os meus 3 livros:

FONT, António (ed.). (2004). The Explosion of the City. COAC. Barcelona.
RAMOS, Angél Martín (ed.). (2004). Lo urbano en 20 autores contemporâneos. Ediciones UPC. Barcelona
Os artigos do Prof. Álvaro Domingues na Revista Arquitectura e Vida, números 74 (Setembro de 2006), 75 (Outubro de 2006) e 78 (Janeiro de 207).

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