sábado, 31 de maio de 2008

Provas Finais de Arquitectura 005*

#Análise Geométrica da Igreja dos Clérigos
Pedro Varela*

I. Introdução
A história da arquitectura moderna surge como uma disciplina que abre um canal de visão para todo um leque de descobertas, uma aventura no mundo da composição de elementos que juntos levam à criação de edifícios, sempre mais avançados e complexos, estruturas que se apoiam num passado de aprendizagem e que preparam o terreno para a próxima descoberta.
Resume-se a uma vontade de ser melhor, de suplantar qualidades, uma representação do percurso do Homem ao longo do seu crescimento na vida da sua história.
Niemeyer mostra ao mundo a sua formologia de eleição através da arquitectura, aquela que ele acha que funciona como espelho da sua realidade. Na sua época, a liberdade formal é quase total, e cabe a cada um compreender e escolher a forma que aplica. Este arquitecto brasileiro utiliza a curva e eu sinto-me em consonância com esta escolha.
É assim através da curva que me proponho olhar para a história da arquitectura moderna, apontando uma curva específica num objecto específico. A Igreja dos Clérigos no Porto é um instante importante na arquitectura portuguesa na medida em que representa a importação de todo um saber novo que vem lá de fora, da Itália. O Porto ganha assim a sua torre, brilhantemente composta, que conquistou o carinho das gentes desta cidade, tornando-a num dos seus símbolos. Mas a Torre dos Clérigos - como veio a ser chamada - é só uma parte de um complexo edifício que se compõe também de um hospital “privado” e uma igreja, que aliás fora a primeira parte deste conjunto funcional. E se a torre é bastante apreciada pela sua altura e harmonia proporcional, a igreja não peca por falta de originalidade no panorama arquitectónico contemporâneo pelas várias introduções formais e estilísticas de que padece. A fachada como um pano decorado impõe-se no seu escadório sobre a calçada que leva lá abaixo à Praça, o perímetro exterior do edifício adapta-se delicadamente à vizinha - e agora extinta - muralha. Os motivos decorativos são fantasiosos, livres, apresentam uma panóplia de temas florais e curvilíneos em que imperam as volutas, tantas vezes assimétricas. Mas todas estas inovações são claramente suplantadas pela forma da igreja, a nave da assembleia que se configura como um espaço longitudinal e central ao mesmo tempo. É a oval do barroco que chega a Portugal pelas mãos do artista italiano Nicolao Nasoni e levanta assim, no Porto, numa estrutura única no país que contribui para a originalidade de todo o conjunto.
Este trabalho tem como mote o estudo deste espaço criado por Nasoni. A igreja barroca como consequência de uma série de invenções ao longo da história, apresenta fortes condicionantes geométricas e o resultado final é um interessante e complexo espaço que deve ser analisado sob a luz das ciências que o configuram. Norberg-Schulz avisa-nos que a análise formal deve ser mais exacta e completa que as teorias de proporção e do espaço permitem, sublinhando a importância da forma dos espaços e das massas, assim como da sua superfície limitadora1. A curva é de facto a superfície limitadora que tem um papel preponderante na definição deste tipo de igrejas, sendo o braço direito da própria arquitectura. Esta curva é a oval, filha bastarda da elipse.
Mas os anos e a experiência deram à oval um lugar próprio no catálogo de formas, desprendendo-se da elipse mãe, matemática. Por ser fundamental para a análise formal da Igreja dos Clérigos, o estudo da elipse e da oval aparece como anterior à análise em si, revelando os instrumentos e condicionantes que possibilitaram a criação deste espaço particular. Creio no entanto poder dizer-se que elipse, na sua verdadeira acepção da palavra, só se torna acessível em grande escala a artistas e arquitectos já na segunda metade do século XVIII, altura em que instrumentos como o “pantógrafo ou compasso para desenhar curvas parabólicas, hiperbólicas e elípticas contínuas”2 começam a ser produzidos. Para falarmos em elipse na história da arquitectura até ao século XVIII teremos de pactuar com a confusão linguística que em tempos se fez sentir, e ainda hoje permanece entre os menos esclarecidos, e atentar à presença elíptica em toda a circunferência oblonga, ou que lhe seja semelhante. Remontamos assim aos períodos mais longínquos em que encontramos este tipo de formas, tecendo o percurso destas até chegarem à pena que Nasoni utilizou para desenhar o seu primeiro e mais famoso edifício.

II.Nota conclusiva

O problema da análise da Igreja dos Clérigos prende-se obviamente com mais do que a sua nave. Pelo estudo aqui exposto é aceite, também, que tanto o rectângulo ao baixo como o rectângulo ao alto - como Xavier Coutinho o põe, respectivamente a ante-câmara de entrada e o altar-mor - são partes da igreja que não podem ser descritas como pertencentes à ideia original da Igreja. No entanto, é também da nave oval que este trabalho se ocupa, e nesta se centraram esforços.
O objecto de estudo aqui referido não é muito canónico; mas também não o era o seu autor. Nasoni viveu sempre na perseguição de novos objectivos, encontrando finalmente sedentarismo no Norte de Portugal. Na época de concepção deste edifício, imaginamos um Nasoni jovem, completamente assaltado de ideias, temas, formas, imagens de coisas belas que vira nos sítios onde passara. Na sua ânsia de criar, lança-se num trabalho hercúleo de conseguir dar ao Porto uma igreja inovadora. Sabemos que a sua formação não primou pela construção de edifícios. O mais próximo que esteve desta realidade foi o curso de representação perspéctica de arquitectura que tirou em Bolonha. A oval que desenha não está nos manuais, atitude própria de quem tem prioridades diferentes. Talvez tenha sido uma necessidade que causou a recorrência a modelo tão particular. Moneo diz: “Todos los proyectos tienen en común un cierto gusto por lo compacto. Esta noción de arquitectura compacta no es nueva. Construir manteniendo las restricciones de um perímetro màs grande en la superficie más pequeña es siempre deseable. (...) Asé ha ocurrido siempre, tanto en el presente como en el passado.”3 Quererá isto dizer que a atitude de Nasoni aquando do projecto do complexo dos Clérigos prendeu-se em primeiro lugar como um preenchimento máximo da área disponível, pondo para trás regras já firmadas de composição? Nasoni soube claramente responder ao problema, criando um edifício produto das suas imagens de arquitectura, que certamente não peca pela monotonia ou repetição inconsciente de elementos necessário à edificação. A composição visual é de facto tema recorrente no trabalho de Nasoni, sendo conseguida em pleno usando como suporte a oval que só teria como sucessora, na arquitectura religiosa, a igreja do convento cisterciense em Maceira-Dão.
D. Hume diz: “A beleza não é uma qualidade própria das coisas: Ela existe meramente na mente daquele que as contempla; e cada mente percepciona uma beleza diferente.”4 A Igreja dos Clérigos deve claramente ser apreciada no seu contexto, a rude e granítica cidade do Porto que recebeu de braços abertos uma nova arte vinda da longínqua Itália. Parece claro que esta primeira obra de Nasoni não se equipara às grandes empresas do Barroco mais erudito, funcionando mais como um objecto estranho que pela sua peculiaridade e pela anexa torre ganhou o seu lugar na cidade.

1 Norberg Shulz, Intentions in Architecture, pag. 99
2 Hersey, George L., Architecture and Geometry in the Age of the Baroque, pag. 136. Estes instrumentos estão representados no Cours d’architecture de François Blondel, obra publicada em 1771

3 Rafael Moneo, Paradigmas fin de siglo, Los noventa, entre la fragmentación y la compacidad, in Revista Arquitectura Viva nº66 pag.23
4 D. Hume citado por Schulz, Norberg, Intentions in Architecture, pag. 92


*Prova final para o grau de licenciatura da faculdade de arquitectura da universidade do porto no ano de 2005
Pedro Varela [rucativava@gmail.com]

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