segunda-feira, 9 de junho de 2008

Provas Finais de Arquitectura 006*

O Pátio e as Casas de Siza
Helena Henriques*




Esta prova final aborda a temática do pátio na habitação a partir do estudo de seis casas de Álvaro Siza. Procura-se perceber a importância do pátio para o assentamento e vínculo ao lugar.

Nas diversas culturas que atravessam a história da habitação o pátio surge como o elemento exterior que protege a casa, a organiza e estrutura permanecendo no recolhimento e intimidade familiar. Permitindo quase o total encerramento da habitação ao exterior, isolando no interior a expressão da identidade e diferenças sociais.
Gradualmente, com a valorização do espaço público e do alçado de rua, o pátio perde o anterior recolhimento. Funciona como um espaço de acolhimento da casa, mostrando-se à rua e assumindo-se como um espaço de representação.
Com o Movimento Moderno a casa desvincula-se da rua e são explorados novos conceitos de continuidade, de abertura e extensão horizontal à paisagem. Como resultado obtêm-se espaços transparentes, fluidos e abstractos, contrários à noção primária da casa como um espaço de protecção física e mental face ao mundo exterior.
Progressivamente os valores históricos são recuperados. São reintegradas as capacidades formais e expressivas da arquitectura tradicional. Com os CIAM de 1951 surge a consciência da essencialidade do Cuore, entendido como centro, como um elemento da vida espontânea ou organizada, individual ou colectiva.
O pátio é constantemente recuperado, reproduzindo coerências e métodos já muito antigos e sempre reinventados. Procura-se, no seu valor compositivo e estruturante, a criação de uma harmonia geral do espaço.

As seis casas em estudo não se situam todas na mesma região, encontram-se espraiadas ao longo de 30 anos de produção arquitectónica de Siza. Com diferentes linguagens, influências e métodos compositivos, estas casas respondem às circunstâncias locais e temporais em que aparecem. Mantendo sempre uma matriz comum, uma lógica de composição íntima do ambiente da casa: o pátio - mecanismo inicial para o assentamento. Expressando, talvez, a consciência de Siza e de todos da casa como um interior protegido.

Estas casas revelam-se, por vezes, como pontos de charneira ou de desenvolvimento da linguagem e método de Siza. Um percurso evolutivo marcado por influências directas do seu trabalho com Távora, da herança da tradição construtiva portuguesa ou do apreço pelo trabalho de alguns autores do Movimento Moderno.
Todas elas são diferentes na forma como se posicionam na parcela, ocupam o lugar desde o limite do lote, tendo sempre o muro como um elemento que unifica e estrutura o conjunto, que direcciona e desencadeia a apropriação. Muros que nos conduzem à descoberta de percursos de aproximação ao interior. Espaços de transição que garantem a separação do exterior da intimidade essencial à vida da casa. Momentos em sombra que controlam a luminosidade e o conforto dos ambientes interiores. Muros que encerram os pátios garantindo a neutralidade e o silêncio necessários à vida e à apropriação.

Inicialmente, na Maia, a casa configura-se através da acumulação e do posicionamento dos diferentes núcleos de actividade. Como resultado obtém-se um volume fragmentário desenvolvido em arco em volta de uma grande árvore, um ponto central de gravidade que determina o pátio.
Este tema do pátio ligado a um elemento natural é retomado mais tarde com o Pavilhão Carlos Ramos, onde o pátio pontua o seu encerramento com uma árvore secular. Procurando não se separar da natureza como que à busca de justificação para a calma e harmonia do seu espaço – como refere Alexandre Alves Costa.
A anterior fragmentação volumétrica da Casa Rocha Ribeiro dá lugar, com a casa Alves Costa e Manuel Magalhães, à composição feita a partir de volumes puros e muros totalmente cegos. Lembrando o minimalismo e a simplicidade de algumas obras de Mies Van der Rohe.
Estas casas próximas da rua abrem–se totalmente ao interior, mantendo o movimento de torção em volta do pátio, agora num único gesto. Mostrando-se total ou parcialmente encerradas ao exterior, não revelando a sua lógica interior autónoma. Uma abstracção do alçado principal feita em profundidade a partir da sobreposição de planos e da colocação lateral da entrada na casa. Uma dissimulação da casa que, tal como Breuer na casa Hooper, procura não transmitir ao exterior qualquer expressão da vida interior. Esta rejeição moralista da desordem envolvente é posteriormente abandonada.
O trabalho em projectos com uma dimensão mais colectiva e urbana leva Siza ao reconhecimento do papel social da arquitectura na cidade. O entendimento do pressuposto de Loos de que toda a parede tem duas faces, uma que protege o interior da casa e outra que a figura no exterior marcando o espaço público.
Estas novas relações com o exterior e o uso de uma linguagem mais figurativa sobre a rua, não anulam a vontade de introversão. O pátio acabado e perfeito protege a casa do exterior, garantindo uma harmonia absoluta que rege a composição. A clausura e busca da serenidade interior, nem sempre se podem justificar pela fuga ao ruído da rua ou a um tecido envolvente feio e desordenado. Em Moledo ou na primeira linha de construção da praia da Aguda, Siza, de igual modo rejeita a abertura da casa e da vida sobre o horizonte.
O pátio surge como a alternativa à vista sobre o mar, da sombra de altas árvores ou da geometria dos volumes pode-se descansar o olhar da intensa luz do Atlântico. Com a Casa António Carlos Siza e Maria Margarida a composição ganha a densidade de um complexo traçado geométrico. Um lento trabalhar das formas na procura de equilíbrios e relações morfológicas, onde o pátio surge como mais um compartimento sem tecto. Participando num jogo sensivelmente barroco de manipulação do espaço segundo eixos visuais e linhas de deslocação. O rigor do uso dos traçados geométricos não apaga um certo empirismo na agregação dos compartimentos das casas.
Siza recupera o uso da forma em U, evocando as casas de lavoura próprias da arquitectura tradicional do norte do país, onde os diferentes corpos se agrupam em torno de um pátio – uma verdadeira sala ao ar livre como a define a equipe de Távora no inquérito. Siza tira partido da polivalência do pátio utilizando-o a diferentes escalas. Surgindo como resposta e mote para diferentes programas. A retoma de uma tipologia tradicional dá-se como pretexto para a criação de um lugar.

Tal como na Malagueira elege o tipo de casa com pátio como unidade mínima do plano. Evocando os modelos elementares de construção mediterrânicos. O pátio permite, tal como a Sert em Chimbote, a continuidade horizontal do tecido urbano, facultando a cada casa o acesso, a luz e a identidade. Se na Malagueira os pátios surgem como elementos que permitem a individualização e uma maior flexibilidade e capacidade de reinvenção da casa, também nos modelos de habitação unifamiliar em estudo os pátios transmitem à casa uma maior liberdade na apropriação. Um uso do espaço mais despreocupado, resguardado dos olhares, garantindo aos interiores vistas agradáveis e serenas, nunca excessivamente intensas.

Se em muitas das experiências do Movimento Moderno o pátio fundia a ligação vertical e horizontal com o exterior, nestas casas Siza jamais o permite. Estes pátios não sendo totalmente interiores aos volumes nunca se relacionam horizontalmente com a paisagem. Transmitem noções de propriedade e recolhimento. Deles sobressai a neutralidade e espontaneidade dos seus espaços -A disponibilidade para a vida e a capacidade de emoção. O pátio permite o equilíbrio entre a forma e a vida fornecendo uma lógica coerente ao espaço e abrigando a actividade dos homens.
São espaços densos e protegidos que permitem a conquista do estado de graça.

«Alguém nos conduz pelos espaços.
Deslizamos.
Não apetece falar, e tudo é único, mas nunca absorvente.
….
Nenhuma inovação abandona a antiquíssima razão.
Não há inovação.
Há o reencontrar da inocência, uma conquista do Estado de Graça, para que se
Não perca a Memória.»

Álvaro Siza, sobre a visita à casa Barragán
*Texto sobre a prova final da licenciatura em arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da UP e apresentado no IJUP 2008 [Fevereiro 2008]
Helena Henriques [helena@pontopr.com]
#####English version
The Courtyard and Siza’s houses

The aim of this study was to attend the issue of the courtyard housing. The houses of Álvaro Siza serve examples that allow a particular approach to the issue. From the analysis of these works it should be possible to recognize the importance that the author gives to the courtyard, as a mean for the settlement and link to the place, observing the formal and expressive mechanisms going through the project of interiorized houses.
In the various cultures that cross the history of housing, the courtyard emerges as the element that protects the house, remaining in the family intimacy. Allowing the almost complete closure of the house to the outside, isolating in the interior the expression of identity and social differences. Gradually with the enhancement of the public space, the yard loses the previous intimacy, performing as an area showed to the streets, as a space of representation.
With the Modern Movement the house is disconnected to the street. New concepts are explored like continuity and openness and horizontal extension and the panoramic view of the landscape. As a result the spaces became more transparent, fluid and abstract, contrary to the concept of the house as a primary area of mental and physical protection against the outside world.
The historical values are recovered; they are reintegrated formal and expressive capabilities of traditional architecture. The courtyard is constantly recovered, playing coherencies and methods already used and always reinvented. Searching on its composition and structuring value to produce a general harmony of the space.
The six houses in this study are not in the same region, although a great part is placed in the north of Portugal. They appear along 30 years of the architectural production of Álvaro Siza.
Sometimes they reveal themselves as points of change or development in his language and method - an evolution carried through the Portuguese constructive tradition, the influences of some authors of the Modern Movement and the characteristics and cultural identity of each place. The variance of elements and materials is produced facing a closed composition, a sense of intimate environment of the house. The courtyard remains as an archetype that shapes the space. Expressing perhaps the conscience of Siza and us all, of the house as a protected interior.
All different in the way they are positioned; these houses occupy the place, forming up from the limit of the lot, and having always the wall as an element that unifies and structures the whole. Giving directions and triggering the appropriation.
Walls that lead us to the discovery of the interior. Transitional spaces that guarantee the separation from the outside, the essential intimacy of life.
Moments in shadow that controls the brightness and comfort of indoor environments.
Walls witch closes the courtyards ensuring the neutrality and silence, necessaries for life and appropriation.
Initially, in Maia, the house is formed through the accumulation and the positioning of the different areas of activity, resulting in a fragmented volume.
That is developed in arc around a large tree, a focal point of gravity which determines the courtyard. This theme of the courtyard connected to a natural element is resumed later with the Carlos Ramos Pavilion, where the yard punctuates its closure with a secular tree. Embracing nature like searching for a justification for the calm and harmony of its space. - as Alexandre Alves Costa said.
The previous volume fragmentation gives rise later to a composition made with pure volumes and completely blind walls, remembering the minimalism and simplicity of some works of Mies van der Rohe.
These houses near the street are totally opened to the inside, keeping the momentum of twisting around the Courtyard, now in a single gesture.
Seeming to be totally or partially closed to the outside, they not reveal its inner autonomous logic. The abstraction of the main facade is done in depth, from the overlapping plans and the lateral placing of the entry. Like Marcel Breuer in the Hooper house, Siza hides from the outside all the expressions of life, concealing the houses.
This moralistic rejection of the disorder surrounding is later discarded. The work on projects with a more collective and urban dimension leads Siza to the recognition of the social role of architecture in the city and the understanding of Adolf Loos assumption that the wall has two faces, one that protects the inside of the house and another that figures abroad marking the public space.
These new relationships with the outside world and the use of a more figurative language to the street, does not contradict the will of introversion. The courtyard remains finished and perfect, protecting the house from the outside, ensuring one absolute harmony that rules the composition.
The closure and the search of an inner serenity, not always can be justified by fleeing the noise of the street or by a disorderly surrounding urban tissue. In Moledo or in Aguda, Siza, also rejects the opening of the house and life to the horizon. The courtyard emerges as the alternative to the views of the sea, under the shade of the trees or the geometry of the volumes you can rest the eyes of the intense light of the Atlantic.
With the projects of Antonio Carlos Siza and Maria Margarida houses the composition gets the density of a complex geometric layout. Working the forms and searching for morphological relations and balances.
A manipulation of the space made with visual lines and axes of movement.
The accuracy of the use of geometry does not erase the empiric aggregation of the compartments of the houses.
Siza recovers the use of the form in U, evoking the traditional farmer houses of the north of the Portugal, where different volumes are grouped around a courtyard - an truly outdoor room as it was defined by the team of Távora.
Siza takes benefit from the flexibility of the courtyard using it in different scales, as an answer and a motto to different programs. The continuation of a traditional type is made as a pretext for creating a place.
As in Malagueira he elects the courtyard house as minimum unit of the plan, evoking the basic models of Mediterranean construction. Like Sert in Chimbote, the courtyard allows the horizontal continuity of the urban tissue. The patio provides the access, the light and the identity to each house.
If in Malagueira’s barrio the courtyards appear as elements for the individualization and greater flexibility and reinvention of the house, also in the other houses in study the courtyard hold up a greater freedom in the appropriation. Allowing a use of the space more relaxed hidden from the exterior look, ensuring to the interior pleasant and calm views, never too intense. If in many of the experiences of the Modern Movement the courtyard merged the vertical and horizontal connection with the outside world, in these examples Siza never allows it. These courtyards not entirely interior to the volumes are ever related horizontally to the landscape. They transmit notions of property and intimacy. The neutrality and spontaneity of their spaces shows the availability to life and the capacity of emotion. The courtyard permits the balance between form and life by providing a coherent logic to the space and harbouring the activity of the men. They are dense and protected areas which allow the achievement of the state of grace.
This state of grace is an expression used by Siza in a text that describes his experience of the visit to Barragan’s house in México City, where he talks about the essentiality and naturalness of the spaces. Theses are characteristics that we can also apply to his work.
Bibliografía essencial
MONESTIROLI, Antonio, La arquitectura de la realidad, Las formas de la residencia, 1ª edição, Ediciones del Serbal, Barcelona, 1993.
MONTANER, Josep Maria, Arquitectura y Crítica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2002.
SIZA, Álvaro, Des Mots de Rien du Tout, Palavras Sem Importância, textes réunis par Dominique Machabert, Publications de l’Université de Saint-Étienne, Collection École d’Architecture de Saint-Étienne, 2002.
TÁVORA, Fernando, PIMENTEL, Rui, MENÉRES, António, Arquitectura Popular em Portugal, Zona 1, 2ª edição, Associação dos Arquitectos Portugueses, Lisboa, 1980.

Sem comentários: